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A reverência à Constituição, pedra basilar do estado democrático de direito, não pode servir de pretexto para desconhecer os problemas associados à Constituição de 1988.
A Assembleia Constituinte, instituída por força de emenda constitucional, pretendeu assumir competências próprias de uma constituinte exclusiva e originária.
Assim, por exemplo, proclamou cláusulas pétreas, insusceptíveis de alteração por emenda constitucional, como se fosse uma assembleia pentecostal guiada pelo Espírito Santo.
Sua concepção exibe um curioso contraste: de um lado, há uma prodigalidade de princípios carentes de regras, muitas vezes em razão de uma recorrente mora legislativa; de outro, especificamente na matéria tributária, um furor analítico que torna o texto constitucional assemelhado a uma instrução normativa.
Dessa contrastante combinação decorrem ativismo judicial e propensão ao litígio, que subsidiam uma perturbadora insegurança jurídica, minando a capacidade de administrar o Estado e o ânimo privado para investir.
Destaquei alguns exemplos, no campo fiscal, de impropriedades na Constituição de 1988.
O pensador italiano Michelangelo Bovero, em entrevista ao jornal Valor (12.09.2014), assinalou, apropriadamente, que direitos sociais com repercussão orçamentária são apenas benefícios, cuja concretude demanda a existência de recursos.
Como o prosaico princípio da escassez não é matéria constitucional, o que se vê, notadamente na área da saúde, é uma profusão de litígios judiciais, cuja resolução exige recursos que não existem e fixa prioridades sem o necessário respaldo técnico.
Na matéria orçamentária abundam desacertos. Não consigo imaginar as razões que levaram os constituintes a sancionarem o bizarro conceito de orçamento da seguridade social.
Conseguimos a proeza de dificultar a compreensão dos déficits previdenciários e, simultaneamente, estressar os gastos com a saúde pública, em um dramático contexto de exacerbação da demanda por esses serviços.
A bem-intencionada proposta de instituição de orçamentos autônomos para os Poderes da República converteu-se, infelizmente, apenas em instrumento para concessão de privilégios remuneratórios e construção de suntuosos edifícios.
A também bem-intencionada tese de emendas à proposta orçamentária (art. 166, § 3º, III, a, da Constituição) a pretexto de corrigir “erros ou omissões”, até hoje, serviu tão somente para fundamentar uma pouco criteriosa expansão de receitas destinadas, quase sempre, ao financiamento de “emendas parlamentares”, que expandem o gasto público, deformam o precário federalismo fiscal e, não raro, constituem fonte de corrupção.
Essas disfunções orçamentárias se acentuam ainda mais porque não se logrou aprovar a lei complementar para disciplinar as finanças públicas, conforme prevê art. 165, § 9º, da Constituição.
Passados quase 30 anos da promulgação do texto constitucional, a matéria orçamentária segue governada por obsoletas regras instituídas em 1964.
O federalismo fiscal é insubsistente. Incapaz de estabelecer critérios com mínima racionalidade na partilha de receitas públicas, a Constituição foi também claudicante na discriminação dos encargos públicos.
O parágrafo único do art. 23 da Constituição remete à lei complementar o disciplinamento da cooperação entre os entes federativos no que concerne às políticas públicas, sem que se conheça sua correspondente discriminação.
Os problemas suscitados neste artigo, entretanto, não autorizam concluir que seu autor defende a convocação de uma assembleia constituinte.
Consideradas as circunstâncias políticas atuais, creio provável que se consiga produzir algo muito pior do que o atual texto constitucional.
Opcionalmente, no âmbito de uma iniciativa revisional, poderiam ser implementadas mudanças estratégicas, inclusive uma “lipoaspiração” como bem assinalou o Ministro Nelson Jobim no Fórum Estadão (27.02.2018). Não convém, todavia, subestimar as forças reacionárias de índole corporativa.
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