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Auditorias retomam luta por consultoria

Quase uma década depois de ter vendido seus negócios de tecnologia, três das quatro grandes empresas de auditoria vêm intensificando sua atuação em consultoria empresarial, um filão lucrativo e de crescimento acelerado.

Fonte: Valor Econômico

Quase uma década depois de ter vendido seus negócios de tecnologia, três das quatro grandes empresas de auditoria vêm intensificando sua atuação em consultoria empresarial, um filão lucrativo e de crescimento acelerado.
 

Nos últimos dois anos, PricewaterhouseCoopers (PwC), Ernst & Young e KPMG reforçaram equipes e orçamentos, reduzidos drasticamente na esteira dos escândalos empresariais do início da década. 

Depois da quebra da companhia de energia americana Enron no fim de 2001, fato que no ano seguinte levou ao colapso seu auditor, a Arthur Andersen, a KPMG e a PwC venderam seus braços de consultoria para a Atos Origin e IBM, respectivamente. A Ernst & Young já havia vendido sua unidade para a Capgemini, em 2000. 

Nos últimos anos, porém, o cenário voltou a mudar. A Deloitte, única das chamadas "big four" que mantiveram sua consultoria empresarial, já sente os concorrentes de novo nos seus calcanhares. Depois do período de letargia, as auditorias voltaram a reforçar o bloco de consultores. "A evolução da nossa área de consultoria tem sido consistente, cresce entre 20% e 25% por ano", diz Frank Meylan, sócio de consultoria da divisão de TI da KPMG no Brasil. "A área mais que dobrou nos últimos três anos."

Dos 450 profissionais de consultoria da KPMG, 150 são funcionários com perfil técnico, diretamente ligado à tecnologia. "Hoje, consultoria é o serviço que mais cresce na companhia, e a divisão de TI é uma das áreas mais importantes desses serviços." 

O mesmo número de pessoal de informática atua na divisão de consultoria da Ernst & Young. Com 100 clientes de consultoria de TI na carteira, a divisão de negócios cresce em torno de 20% ao ano. Entre as 12 áreas de negócios de consultoria da empresa, diz Alberto Fávero, sócio de segurança da informação e TI da Ernst & Young, a divisão de informática já abocanha 30% dos negócios. 

O rival mais agressivo nessa disputa, no entanto, vem sendo a PwC, que mais recentemente decidiu concorrer em todos os serviços que a Deloitte, a seu modo, nunca deixou de oferecer. 

Enquanto KPMG e Ernst & Young atuam em duas fases mais estratégicas de consultoria - o levantamento da situação da empresa e, conseqüentemente, o redesenho de suas operações -, a PwC decidiu partir para briga e dar um terceiro passo, que até pouco tempo atrás só a Deloitte detinha: a implantação, integração e, se for preciso, o desenvolvimento de sistemas. 

A decisão de colocar a mão na massa foi tomada há dois anos, quando expirou uma cláusula de contrato que a PwC mantinha com a IBM. "Havia uma regra de só fazermos consultoria estratégica e não competir em implementação de TI", comenta Ricardo Neves, sócio da área de consultoria de TI da PwC. "Depois que o acordo venceu, nós voltamos para esse mercado." 

Na KPMG e na Ernst & Young, a decisão de não atuar como um "integrador" de software baseia-se no argumento de que é preciso ter uma posição mais neutra para apoiar o cliente em suas decisões. "Aqui nós elaboramos planos, estamos em uma categoria de serviço táticos", afirma Frank Meylan, da KPMG. 

Para a PwC, porém, a implantação de tecnologia não diz respeito à falta de neutralidade. "Desafiamos qualquer um que queira colocar o tema da independência em questão", diz Ricardo Neves, da PwC. "Estamos crescendo porque não temos acordos de exclusividade com fornecedores de TI. O cliente quer parceiros que não estejam contaminados por outros interesses que não o de atendê-lo." 

A implantação de sistemas, segundo Neves, tem sido uma ponte para que a PwC possa vender serviços mais rentáveis, de consultoria estratégica. "A implementação em si é quase commodity, mas é interessante porque traz longevidade aos contratos." 

Hoje, a PwC tem 200 pessoas atuando em consultoria de TI, das quais 120 estão mais atreladas a projetos de segurança da informação. O volume dobrou nos últimos dois anos e a previsão de crescimento para 2009 é de 40%. 

A Deloitte não pretende facilitar a vida do seu principal rival e aposta no fato de não ter aberto mão dos serviços de consultoria, como fizeram seus concorrentes no passado. Hoje, a empresa mantém, inclusive, parcerias globais com fornecedores como SAP, Oracle, CA e IBM. "Nós usamos isso como uma vantagem competitiva", diz Ricardo Balkins, sócio que lidera a área de consultoria empresarial da Deloitte. "Duplicamos de tamanho nos últimos quatro anos e vamos triplicar nos próximos três." 

Embora venha assistindo à reaproximação de velhos concorrentes de consultoria, a Deloitte não acredita que - com exceção da PwC - suas rivais devam retomar o aparato dos serviços de implementação de sistemas que já tiveram no passado. "A decisão de atuar ou não em implantação de TI é uma decisão de negócio, não há impedimento para isso", diz Juarez Lopes de Araújo, presidente da Deloitte. "Acontece que remontar uma área dessas não é algo simples e fácil." 

O crescimento acelerado e os ganhos substanciais, se comparados ao mercado relativamente estável e muito regulamentado de auditoria, é a atração principal da consultoria. Segundo Araújo, o faturamento dos segmentos de consultoria já ultrapassou a auditoria. Há dois anos a participação da auditoria era de aproximadamente 60%. No ano fiscal 2008, encerrado em maio, caiu para 45%. 

A PwC não se sente intimidada. A divisão de auditoria da companhia responde por cerca de 70% dos negócios, mas a tendência é que os contratos de consultoria também passem a ganhar mais peso. "Dentro de consultoria, os negócios de TI já respondem por 15% dos negócios. Nos próximos anos, essa participação deverá saltar para algo em torno de 25%", diz Ricardo Neves, da PwC. "Voltamos para esse mercado; o cliente passou a ter mais opções de escolha." 
 
 

 
Oferta de serviços é marcada pela auto-regulação 

  
 
A discussão sobre os tipos de serviços que uma auditoria independente - responsável pela checagem dos números de companhias com ações em bolsa - pode prestar é antiga, mas ganhou ares de uma guerra santa depois do caso Enron. A grande questão era entender como o auditor poderia ser independente e funcionar como um fiscal dos investidores se sua missão era checar o trabalho feito pelo próprios colegas de trabalho. A Arthur Andersen ganhava muito mais dinheiro na Enron com consultoria do que com auditoria. 

"Hoje o ambiente é diferente", diz Guy Almeida Andrade, auditor e membro de conselhos de administração. "Foram criadas regras para salvaguardar os riscos." 

A regra básica é não prestar serviços como a implantação de sistemas de tecnologia para clientes que já utilizam o trabalho da auditoria. "Os comitês de auditoria das empresas avaliam com muito cuidado essas questões", afirma. "Há uma lista de serviços proibidos, dos que devem ser submetidos à consulta e dos previamente aprovados." 

O problema é entender a miríade de serviços oferecidos pelas auditorias. Sob nomes que variam de uma empresa para outra, o guarda-chuva de "consultoria", em oposição à auditoria de balanços, abrange desde planejamento tributário, assessoria para fusões e aquisições, até governança empresarial, gestão de riscos, terceirização e, no caso da Deloitte e da PwC, a implantação de sistemas de tecnologia. 

Se há ou não conflito, muita coisa fica a critério dos auditores e da auto-regulação. "Há uma regulamentação que proíbe a empresa de implementar algo em clientes que sejam de auditoria", diz Juarez Lopes de Araújo, presidente da Deloitte. "São coisas muito bem separadas, que não se misturam." 

Há uma vantagem competitiva, no entanto, que as grandes auditorias não negam. Mesmo quando um cliente deixa de usar seus serviços de auditoria, ele continua sendo um alvo potencial para o braço de consultoria. No caso dos consultores e integradores de sistemas - um grupo formado por companhias como Accenture, EDS, IBM e Unisys - não há essa chance, já que essas empresas não prestam serviços de auditoria. 
 
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão de fiscalização do mercado de capitais, tentou em 1999 fazer uma restrição radical, proibindo que as auditorias oferecessem qualquer tipo de consultoria. Os auditores foram à Justiça e a questão ainda está pendente. (NN e AB) 

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